Não gostava do cheiro, lembrava
minha mãe. Esse som de passos sobre a madeira, o blues baixo saindo de algum
lugar que não se vê, clientes sempre sorrindo enquanto a ajudava a encaixar
letras no quadro da tabela de preços do bar que hoje não a tem mais, este bar
que é apenas do patriarca, pois naturalmente fui deixada com meus livros, com
minhas abstenções e sonhos pessoais. Hoje meu coração foi inundado de
sentimentos e até desse amadeirado nos meus sentidos me embriaga. Em todos os
cantos acompanhada de papeis e livros, me sento e me distraio, enquanto meu
querido pai organiza na intenção de abrir, eu já consumo esses primeiros
minutos de um dia de folga. Acordada ao meio dia com som dos carros, me entrego
ao sossego e da cama me levanto horas depois, visto qualquer coisa e lembro de
Télio, sujeito curioso e discreto que estivera na noite anterior lhe conduzindo
ideias sobre conceitos que só me rendo pelas razões que ele consegue propor,
que o faz sempre como o melhor no que faz. No caminho, em uma calçada próxima
do bar vejo pessoas estranhas, nascida e educada no bairro entendia fisionomias
familiares, e aquelas definitivamente não eram. Meu sentimento se manteve em
alerta mas não precisei me manter assim por mais que meio segundo, um deles
sacava lentamente um revolver que sob a fraca luz da rua evidenciava ferrugem
porém também um vigor letal que me arrepiava a alma, e cedi... A porta do bar
se abriu, com olhar sério e decidido ele andou em direção deles, com uma mão
sob a blusa e um pulso viril a apertar-lhe algum objeto sob a blusa causa
sensação tão mortal que eu própria temi, todos correram, exceto ele, meu
querido Télio, caminhou sozinho e sumiu na escuridão. Em segundos estava dentro
do bar, nos braços de meu inseparável pai, que abençoado és por seu deus que me
enviara anjo, apaixonada, uma humana... não posso o ter, ter um anjo? Não posso
ter.
terça-feira, 20 de junho de 2017
Depoimento de um barista, testemunha espiritual: Hoje boa ovelha, outro dia bom pastor.
Sozinho no balcão lembrando
satisfeito da manhã de café na casa de sua filha ao mesmo tempo que sente uma
ponta de culpa por se parecer distante no momento em família estava com seu
senso cristão distante, pensando no pobre coitado que recolhera da sarjeta na
manhã daquele dia.
A noite acontecia naquele bar construído
nos subterrâneos de um bairro no centro universitário da maior metrópole
nacional. Davi organizava seus papeis da demanda do dia distraído enquanto
pensava e sentiu presença de cliente no balcão, automaticamente oferece atenção
e nota que o senhor era justamente o pobre coitado da manhã. Ele muito bem
vestido, cabelo preservado e barba grisalha não seria a mesma pessoa da manhã
se o barista próprio não o tivesse carregado e deixado no quarto dos fundos do
bar. Impressionado, conversa com o moço, que seu nome não disse tão pouco
idade, devolveu cumprimento amistoso, mas vazio, definitivamente não se
lembrava de mim. Guardando uma caneta dentro do terno metodicamente parece
ignorar todo o mundo exterior, e após esse momento volta a atenção para mim e
pede por um drink, seguido de outros dois que bebe em silêncio e um quarto que
se retira deixando uma nota sobre o balcão, o valor exato do débito me intriga,
mas relevo. Ele se mistura entre os outros clientes, no meio deles noto que são
todos iguais e de fato me deparo com a condição incontestável de lidar com
isso, afinal fazer algo é não esperar nada em troca, assim dizia na antiga
função pastoril e assim prefere continuar vivendo.
Depoimento de uma tecnocrata: Reciprocidade no espelho
“Mesmo com uma jornada tão insaciável
de trabalho sentada juvenil sentada entre um grupo de estudantes de alguma
graduação. De longe vejo meu pai, tão distraído quanto estava na manhã de café
comigo, eu poderia conversar com trezentas pessoas em uma noite que ele não notaria.
Não me interessava por nomes, política comum na penumbra desse bar, razão qual
sou adepta e mesmo sendo filha, uma de suas melhores clientes. Desde algumas
semanas esses debates só ficavam interessantes quando ele chegava, sempre do
oculto se revelando e uma áurea se forma naturalmente sobre ele, todas as
noites. Hoje com minha carreira consolidada,
meu pai me falava para usufruir o livre arbítrio, porquanto papai estava
grisalho e de alma cansada de pertinências sociais, julgava eu, e assim eu me
emancipei. De longe notei-o de pensamento reflexivo e distante, como quem fazia
mecanicamente rotinas do ofício...
analisar as expressões miméticas do próprio pai fora interrompido pelo som da
porta, como uma sombra se movimentando, ele se senta meio de longe, em silêncio
permanece por longos minutos. Se levanta e vai até o balcão, papai o reconhece
com um pulo, conversam amistosamente mas não me lembro de se conhecerem antes,
parecia que a existência de Télio era ignorada por papai. Permanece por outros
longos minutos sozinho no balcão e como de costume depois de três serem
esvaziados se senta na mesa com seu quarto copo, este que dura por horas enquanto
aborda com maestria todos as questões levantadas, soluciona todos! E todas as
noites me tem, como quem nunca me tivesse tido, nesse amor distraído que me
permito viver.”
Diário espiritual de um esquizofrênico: Subsistência social.
Acordado sinto em minha pele o
clima de uma manhã fria com sol ao som de pássaros, antes de abrir os olhos me
permito em uma paralisia de sono voluntária para poder protelar as responsabilidades
de minha vida e nisso me lembro de adormecer com sabor de vinho no paladar e
uma interpretação livre de algo de Clarice Lispector como “Nasci para três
coisas que são a minha essência: escrever, amar e ser mãe. E amar é tão
completo que se estende e poder aprender a me perdoar... com o que sobra” e
percebo o que meu consultor social, que é como ele gosta de se definir como
função no mundo ideal que ele me falou preferir viver, conversou comigo sobre
minhas condições, não que eu tenha nascido para os três pontos de Clarice, mas
eu deveria ter os meus, posso saber quais, mas vivo de uma decisão tão latente
que supersticiosos poderiam me rotular como libriano, mas gozo da liberdade do
ceticismo. Divagações a parte, sinto que devo definir vocações vitais, sei que
não seria o amor, sou apático de natureza, tanto que vivo uma vida que surtaria
qualquer um, pois poucos migram do distrito federal com pouca bagagem e
prosperam na cidade mais populosa do país. Mas não é conquista demográfica que
me interessa, não posso nem desejo pagar por luxo, tenho despesas caras com meu
profissional do ego, afinal vim para esta interessante cidade apenas para ser
atendido por sua especialidade, que é pioneira no país. Percebo que estou
tentando abrir ferida pensando em custo de tudo isso, mas nem isso me afeta, o
que conversa com meus sentidos é apenas um recente e compulsivo desejo pelo
sabor do café.
segunda-feira, 19 de junho de 2017
Diário de um esquizofrênico: Devaneios noturnos.
"Na minha opinião, não existe essa de destino pronto, mas existem opções que não são as melhores pra você, e biblicamente você tem livre arbítrio pra optar até pelo que não presta, e acredito que é nessas escolhas que Deus participa, te enviando alguns sinais, te ajudando a se orientar. A algum tempo optei por acreditar nos sinais e confesso que, por não saber como teria sido, comecei a duvidar se eu teria tido mesmo uma interpretação correta ou apenas devaneios. Até que Deus deu um jeito de me avisar de novo, quando eu estava quase me arrependendo de algumas escolhas, ele detalhou sem que houvessem incertezas, apresentou solidamente fatos! Por que ele tem tido tanta paciência comigo? Que fui cético por tantos anos, formando opiniões contrárias, contestando a logica de sua existência. Por que?"
Diário de um Psiquiatra: breaking the rabbit
Uma manhã fria e quase poética de janeiro, sempre pensei em começo de ano com sabor de infância, são primeiros dias de ansiedade pelas mudanças que viriam na escola. O que há em mim é puro anseio, volto da tabacaria em quase devaneios, salvo por intervalos lúcidos, me peguei algumas vezes sorrindo sozinho, mas tenho de ser subjugado pelos preceitos de minha profissão, entre esses devaneios surge uma ideia, esta qual não havia pensado antes: Por que não roteirizo sanidade?
Por um breve momento, lembrei-me da despedida de um cliente, aquela sensação de amizade me fez parecer que eu o devia, que não podia simplesmente ir embora, devo isso a ele.
Diário de um psiquiatra: Testemunha espiritual.
sexta-feira, 16 de junho de 2017
Diário de um psiquiatra: Sinopse
Biografia do psiquiatra: Educado
na Colômbia, natural de Bogotá. Antônio veio ao Brasil ainda adolescente e por
ser de pais brasileiros já dominava a língua e não sente transição cultural.
Acadêmico dedicado em medicina se tornou um respeitado psiquiatra, pioneiro em
terapias não medicadas com acompanhamento rigoroso de psicólogos impulsiona
novo modelo de clínicas, ganha nome e convites para escolher onde palestrar. Aposenta
cedo da função de clinicar e por alguns anos se dedica às pesquisas, ensaios
desses estudos quando publicados lhe credenciam como mais requisitado palestrante
da área da saúde. Mas sucumbe silenciosamente às noites de bares, sendo sempre
dominado por um alter ego silencioso, que nunca deixa rastros de sua
existência. Teme em vida que seu alter ego seja violento, administra a vida
como quem convive com um terrível animal doméstico, trancando-se dentro e si
enquanto a vida acontece, solitária e monótona.
Biografia do paciente: Filho
de burocratas do planalto, teve tudo que precisou exceto estrutura familiar.
Não se encaixou em nenhuma espera social do distrito federal. Desenvolve
tendências suicidas, tão logo é mandado pelos pais para São Paulo para ser
atendido pelo melhor especialista no assunto do país, o que posterga ao máximo
o inevitável e fatal momento.
Biografia da tecnocrata:
Estudiosa, Sofia trocou sonhos adolescentes de encontrar o amor da vida pelos
livros e suas notas a levaram a trabalhar no projeto de energia limpa do
governo, governo este que nasceu 10 anos atrás nas universidades com um grupo
de gênios, liderado por um messias político, este fora colocado no poder pelo
povo, sem luta ou manifestações, uma intervenção popular como nunca vista.
Quando o governo republicano percebeu era tarde demais, cercar universidades
para derrubar forças foi sua última e inútil jogada pois o poder não estava
centralizado, o poder era o despertar do povo. Este grupo de intelectuais
continuaram todos os grandes projetos científicos colocando o país no centro de
todos os assuntos tecnológicos, cura de doenças, tratamento de esgoto, soluções
sociais, energia pura, internet livre via satélite e nenhuma necessidade de
fios pela cidade fizeram do grande líder o marco entre formas de governo do
republicano para formas centralizadas de gestão, onde todos contribuiriam para
a construção deste cenário. Sofia é chefe do setor de auditoria de resultados,
fazia visitas de rotinas em módulos reatores domésticos e em um deles, no fim
de um dia cansativo conhece uma casa de debates e bebidas, percebe que dentre
eles havia um notável líder, este falava e gesticulava como mais um messias,
mas esse não parecia ter a adesão de todos, curioso o quanto sua acidez o
isolava, notável o quanto ele não se importava, intrigante o quanto isso a
atraia. Apaixonar-se e estar todas as noites com ele lhe deu vida, Sofia
respirava amor, e esse amor existia somente na presença de Télio, pobre
coitado.
Biografia do cientista
político: Não se sabe de onde, mas frequente nos bares paulistas, sua vida
noturna era presença previsível e suas rodas de conversa já tiveram assuntos
relatados em periódicos de revistas. Mas Télio nunca levava o crédito.
Introspectivo, não falava de pessoas ou de sua vida, quando falava, o que o
fazia com maestria, este sempre levantava assuntos que esquentavam por toda uma
noite qualquer bar que ele esteja. Rodas naturalmente se formavam e seus
discursos eram duramente refutados, portanto Télio não se convencia facilmente,
citava autores e teorias, parecia fazer isso até quando ele próprio não
concordava com o que ele mesmo dizia, pois parecia ser de sua natureza essa
vida: Viver pela ideia!
Diário de um psiquiatra: O silêncio que fala do alter ego discreto
‘Enquanto caminhava dominava
seus sentidos, lembrando que já havia pensado sobre este perfil de momento se
viu dentro da práxis da projetada tese dos preceitos básicos do definir
prioridades a nível de sobrevivência porquanto lhe parecia mais viável estar fisicamente
seguro em algum lugar que tentar lembrar onde estava e o que estava fazendo. Sabendo
do seu hábito compulsivo de anotações tentou achar algum em seus bolsos, dia de
sorte, encontrou um que dizia hora e local da próxima palestra, mas faltou
anotar o assunto, infeliz se consolou no plano de levar vários tópicos e
palavras chave para cada, estava na hora de montar um portfólio intrapessoal
como maleta de ferramentas. Nota suas mãos trêmulas... mas não as sente, estão
dormentes e para guardar a anotação acionou mecanicamente a outra mão, se
assusta com o som do papel no bolso, este sentido se equalizando e provocando
sentidos novos. Sente cheiro de manhã, deve estar sendo uma manhã linda para
quem dormiu uma noite e a vê. Ouve os pássaros, cheiro de café, som de passos e
por esses padrões e locais que habitualmente frequenta deduziu localidade
geográfica e assim se ajustou, usando a posição do sol no corpo para se
direcionar, seus sentidos feridos o conduzirão.’
quarta-feira, 14 de junho de 2017
Diário de um Psiquiatra: Consulta fora de agenda
“Em um bairro onde famílias proliferavam como tribos, vivíamos como
histórias bíblicas, mas não no passado, hoje lidamos com energia pura gerada
por gravidade sintética, em uma matéria pequena mas complexamente massiva que
colhia eletricidade cinética de constantes, volumosos e silenciosos organismos
– Esta realidade sonha, e no sonho são duas famílias que precisavam habitar
entre si e lidavam com diferenças de cultura social, habitando geograficamente
ao lado por gerações, ambas conheciam natureza e personalidade de todos
porquanto a convivência lhe permitia mas em dado momento uma geração perdeu o
controle da manutenção do conflito e um confronto aconteceu: Eu convivia na família mais baixa da
estrutura topográfica, mas gostávamos da proteção do alto nível topográfico que
a outra família vivia. Certa feita meu comportamento deliberado e desconectado
de preceitos sociais me parecia incomodar os valores da outra família. Um primo
entre eles em conluio com outros conspirou e em tentar executar em pico
emocional me acertou, com um me bloqueou a vértebra, mas exagerei as
consequências quando percebi que foram somente lesões, mas me lesionaram também
a fala, e aparentemente algum órgão desses que temos dois, estou debilitado
demais para identificar, na verdade potencializando os danos para todos citados
exceto um grave dano na mão esquerda. Fui acolhido por um deles quando minha
própria família não parecia se interessar por caridade, e convivi e fui adotado
como um acessório, mas de bom grado, daqueles que gostamos de guardar, portanto
não tinha o conforto familiar nem a posse da destreza física que me permitia
ser um alfa entre meu povo. Sem poder falar, andar e tendo que ser alimentado
como se alimenta um filhote ferido fui colhido com os melhores cuidados
possíveis, porquanto não fui tratado dos ferimentos, quatro balas eu poderia
dizer que poderia sentir ainda em meu corpo e não via ninguém se interessando
em as tirar do meu corpo, por respeito em ideais da convivência deles para com
eles, acordo mútuo que imagino eu não poderia ter de alguns que convivia no
passado. Retomo-me de todos os danos, exceto os da mão, que em conversa com um
que hoje é como um irmão me diz que é grave, no osso, e eu lidei com isso como
quem recebe a notícia meteorológica de noite fria, chuva e possivelmente
tornado, caso esteja em zona de risco, mas o tornado chegou e passou, de fato,
e eu terei de lidar com isso. ” –
Relatos: análise psicanalítica de comportamento:
segunda-feira, 5 de junho de 2017
Diário de um Psiquiatra: Alter Ego
Tantos anos se
passaram quanto quando não se percebe ver passarem, o suficiente para ter
passado despercebido mudanças em sua visão periférica de sua própria
silhueta... não notando o próprio corpo envelhecido, corpo este destituído de
ofício. Abandonara a profissão de psiquiatra e os estudos de terapia
comportamental, escrevera um livro sobre técnicas de mimetismo social,
discorrendo um assunto efetivo em seu campo de estudos, inovando com o conceito
onde o paciente deve seguir um roteiro, agir pela apropriação da similitude em
seu meio social, assunto que ganhou prestígio pois tinha como resultado
interior para quem se recupera de um incidente emocional que ela haja pelo bem
social do seu interior para o universo exterior ao qual ela frequenta, tese
esta que derrubaria a necessidade de medicamentos e intervenções no universo da
vida do humano atendido pela técnica, preservando seu respectivo capital
empírico pessoal. Assunto este fez o nome e com isso, lhe deu acessos, mas não
se importou com isso, não era ele refém de sentimentalismos familiares, tão
pouco tinha para quem deixar legado e a vida consistia em continuar o caminho
de experiências, de aprender com a dor, de crescer no seu interior, atingir uma
iluminação como último ato da peça teatral que é viver.
Acordo tarde, como
é frequente... ter por perto água se tornou mecanismo de sobrevivência, me
agrada os bares próximo desses convites de palestrar e saber que acordar tarde
não é problema, não vejo necessidades de resistir, gosto do meu alter ego. Ainda
bem vestido, apesar de corpo e alma amarrotadas, noto dentro do meu paletó um
papel amassado, mas não deve ser meu, o conteúdo tem afeto. “Não acredito que estes revolucionários acreditaram
em você, mas me conforta é entender que eu própria acredito quando diz gostar
de mim...”
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