“Luzes
se misturam... uma escuridão que se dissolve entre luzes que invariavelmente se
misturam... como um borrão...”
(...)
Uma longa e intensa respiração, como se fosse a última, me domina e me traz à
vida. Uma pequena morte domina meu paladar com um gosto incontestavelmente
sombrio. Sinto arder os lábios e levo mecanicamente aos mãos a eles, em uma visão
nublada vejo meus punhos marcados de sangue, sinais de luta? Deixo a falta de
força nos braços falar por mim e os atiro inertes sobre os travesseiros do que
parece ser o sofá de meu escritório... como vim parar aqui? Isso não precisa
importar agora. Fecho os olhos na esperança de que minha visão se estabilize, o
peso característico de meus pensamentos evidenciam experimentação de bebidas,
drogas e muito cigarro, nada fora do habitual, do vigente habitual. Percebo que
de olhos fechados o mundo gira desconfortavelmente e os abro como se pudesse me
perder no limpo para sempre se os mantivesse fechado por mais um segundo, vislumbro
uma claridade quase mortal e meu corpo reage como que ele todo quisesse se
mover para dentro a procura de uma escuridão qualquer, instintivamente meus
braços se movem esbarrando em papeis, agarro os e fecho os olhos respirando como
quem se recupera de um choque, lembro de técnicas de meditação, limpo meus
pensamentos e observo meu respirar até que me acalmo. Com cautela, abro os
olhos, semicerrados, me adaptando à luz, mantendo-me assim pelo tempo que me
pareceu horas percebo que ainda prendia entre meus dedos papeis e os levo à
face, em meio à uma perspectiva ainda turva noto que se trata de minhas anotações e quando vejo de qual paciente
se trata, noto que era justamente o último de minha carreira. Há anos não nos
falamos, desde que indiquei alta medicamentosa acompanhada por psicólogos.
Tomado por pensamentos cedo novamente à resistência de manter os braços
suspensos e novamente inerte, fecho os olhos, me vendo como era, da penumbra desse
escritório, sentado na onipotência de minha poltrona, alheio, protegido por um
diploma, imune aos devaneios de meus pacientes... não eram realidades tão
distintas a minha e a de meus pacientes?