Diário de um Psiquiatra: Piloto.
Era um
crepúsculo clichê, belo por obrigação, o tempo estava agradável para a maioria
das pessoas. Talvez um dia feliz para o meu cliente, que receberá alta de
classe excepcional hoje.
Diferente do meu
consultório, que agora, sentado aguardando meu paciente em uma sombra de um
comércio popular, penso no quão excêntrico poderia ser meu consultório pra
alguns, que não segue nenhuma ortodoxia moderna, reflito um pouco sobre o
assunto mas sou interrompido por quem já era hora de chegar, detesto esses
ambientes felizes ilusórios, tudo não passa de cenários aleatórios acidentais,
o reverenciado é a matemática que mantem o equilíbrio de tudo, e admiram apenas
um cenário.
Quando noto, já
é hora de cumprimentar, não me movimento de forma sistematizada mais, não
preciso agir como estou no consultório, lembro de uma frase clichê que devo ter
visto em algum blog, qual é mesmo? “O primeiro dia do resto da minha vida”, é o
que ele precisa pensar, limpo minha mente de qualquer pensamento que o rotule
como paciente em estado crônico de seu transtorno, tendo-o como o meu melhor
candidato a merecer o tratamento de terapia com psicólogo assistida por pela
psiquiatria, sem a necessidade de prescrição de medicamentos. O cumprimento,
com meu sorriso sintetizado de quem dará boas notícias.
Como de hábito,
ao vê-lo, movimento meus óculos, como quem se prepara mentalmente para o
inesperado. O observo expressar toda a sua felicidade, não me surpreendo, minha
empatia, apesar de branda, mas é o suficiente pra entender o quão cômodo é, ter
que se livrar de alguns fardos constrangedores e trabalhosos. Me levanto, e entrego um
envelope com as instruções, ele o observou como quem não entende o nome
atribuído ao documento, ele não sabe, mas intimamente o batizei como Télio Sends. Que não significa
nada, gosto do som do nome, e dou a ele esse pseudônimo, agora apto à novidades
científicas.
Diário de um esquizofrênico: Transcendência
do ser.
Quando acordei,
lembrei-me de um pensamento que me tirou o sono por algumas horas nessa noite,
dizem que os primeiros minutos do seu dia definem o restante, pensar sobre um
único pensamento por tanto tempo me preocupa, lembro-me bem do que meu médico
disse: “O problema é o ciclo permanente de um pensar demais, e pensar de mais
não é um problema, pensar demais é bom, é agregador, soma-te o tempo todo,
diferente disso, onde o pensar demais envolve pensamentos que já foram
pensados, e que já deixaram de agregar, crie mecanismos de bloquear o pensamento,
pois há estudos neurocientíficos, aos quais defendo no meu ofício, que indicam
um comportamento manual de controlar quais pensamentos quer ter, se algum
pensamento te incomoda, lembre-se de que você reagiu em pensamentos de forma
negativa para aquele pensamento e procure trocá-lo de propósito por outro, bom,
me distraí com a ideia e acabei sugerindo conselhos de amizade, até. Mas
acredite, como paciente que quando se opta por não pensar em algo de acordo com
o que te disse, seu cérebro cria um padrão onde será cada vez mais fácil se
livrar daquele pensamento”. E pensar demais neste momento é de acordo com uma
irregularidade comportamental dentro do que compreendi, e acredito em suas
palavras e as tenho como dogmas. Já se finda o brilho do dia, e meus
pensamentos são os mesmos aos quais fizeram parte dos primeiros momentos do dia
de hoje.
Caminho em um
perfeito pôr do sol, o céu está o mais belo possível, lembro-me com clareza de
um antigo romance, de uma tarde como esta, o que marcou eternamente em meus
pensamentos, pois sempre verei o que estou vendo, que em seus trejeitos
movimentar os lábios, enquanto os observo dizer em um sorriso: “Céu de
baunilha, esse tom de cor nas nuvens, lembrou do filme que assistimos e
comentei sobre esse efeito, o Vanilla Sky?”. Bom, pra esse tipo de
pensamento não há técnica da mente que amenize.
Lembro-me
novamente sobre o assunto da manhã, e desobediente, decido que é melhor ter que
pensar tudo que tenho que pensar a respeito, para que eu fique livre de vez
desse pensamento, e em meu ser, levanto questões, onde a principal de todas é:
O e-mail que recebi do meu médico poderia ser o que? Ele falou palavras como
piloto científico, mas não compreendo seus termos técnicos, na verdade ele usa
muito esses termos, me acostumar com isso é difícil, mas possível.
Enquanto peço
algo pra beber, sou recebido por um sorriso tendencioso, como quem sabe onde
quer chegar, a princípio achei que ele não teria me visto, distraído bem mais
que o seu normal em ajustar aqueles malditos óculos em sua habitual penumbra,
imaginando que aquele gesto estaria me rotulando, me avaliando, decidindo qual
estereótipo de suas ciências em que me condeno, por minhas próprias palavras,
qual penitência ele prescreverá.
Percebo que uma
nova pergunta me surge em pensamentos: Por que mandar e-mail sugerindo coisas
estranhas e marcar pra explicar melhor em um quiosque de praça? Não teria o
reconhecido fora de seu castelo, o que ele tem a me explicar melhor neste
lugar? Quando finalmente me faço essa pergunta, sem nenhum aviso ele sai de seu
momento estranho, ao que mais me pareceu um ritual, e escuto palavras e
expressões inéditas em minha vida. Seus lábios tentavam explicar pausadamente o
que eu já compreendi, agindo como indicado pra agir quando percebesse indícios
comportamentais do meu transtorno do déficit de atenção: “Sorria, sintetize uma
ingenuidade genuína, logo, se socializará com excelência!”.
Eu estou feliz,
eu estou livre, ganhei o direito de nascer de novo!