quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Sentado novamente no divã, tentando me ajustar ao estofado desgastado, percebo que isso aqui já não faz tanto sentido pra mim, ainda não entendo por quais razões venho, mas se vim, contarei o que quer que me venha aos pensamentos:
‘Chovia, encosto o rosto no vidro do ônibus, e sinto o gelo da atmosfera externa àquilo me inebriar de pensamentos infantis. O que vejo são silhuetas de vegetações do cerrado, suas curvas parecem criar formatos que imaginávamos nos contos, quando pequenininhos nos perdíamos em criações de pensamentos ao ouvir. Sou invadido pela maior de todas as nostalgias, vinda com bilhões de outros sentimentos, ativando instintivamente reações diversas no meu corpo. Mordo os lábios de leve, como quem se concentra em qualquer coisa importante, na tentativa de cuidar de minhas expressões. Me lembro de todas as mentiras que venho ouvindo, falando, vivendo. Me lembro de todos os pecados que venho cometendo. Abandonei a felicidade ingênua da inocência pra me deliciar de prazeres nem tão prazerosos assim. Me perdi na metade do caminho, criei critérios de felicidade que nunca existiram. Destruí universos complexos pra me apaixonar por rascunhos, esboços de tudo que se tem relação com vaidades. Onde antes era um amor à ciência do carinho, do comprometimento com um sorriso sincero, de um abraço sem malícia. Me perdi.’
Arnaldo Junior


terça-feira, 23 de novembro de 2010

Embaixo de uma árvore fria, sinto o sangue circular mais quente que deveria, a pele do meu rosto deixou de ser tão áspero quanto de costume, agora é macio, úmido. Não consigo ver o céu, não me vejo com coragem pra olhar pra tão alto assim, o que sinto é uma vontade enorme de recolher-me dentro de mim mesmo, com o pescoço afundado nos ombros, crânio levemente inclinado entre meus joelhos. Sentado nesta terra fria, que parece rejeitar minha inclusão. Ouço o vento de leve atravessar a folhagem. Ouço algumas folhas secas se desprenderem, numa tentativa poética de se comunicar comigo. Minha garganta dilatando, meus pulmões com uma sede incomum de ar, aperto minhas mãos com muita força, e o que sinto é um vazio me inundando com mais força que a que ponho nos punhos. Meu coração bate me fazendo cócegas no corpo, agindo num espaço tão apertado. Sinto o frio do vento agora me abraçar, e imediatamente invadir todas as minhas vias, atravessarem toda a pele e circular com intensidade em todo o meu corpo. O frio do vento me invadiu a razão me causando calafrios, participando de todos os meus pensamentos, criando um clima gótico. Incluindo em tudo que penso uma tempestade seca, sem brilho do dia, cheia de folhas ao vento, na penumbra de um velho pântano. Uma onda de ar quente percorre todas as vias aéreas, expulsando tudo isso, saindo com força. Meus ouvidos captam um grito agudo e cheio de desespero, liberando hormônios, agindo por instinto. Minha percepção racional identifica a voz do grito, me vejo sentado à beira de uma velha árvore, no chão, apertando com força minhas pernas enquanto grito aos limites da minha garganta. Os olhos quentes e em lágrimas, com folhas velhas passando por mim enquanto algumas ousam em me tocar...

Arnaldo Junior

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

         Havia tempo que não me via aqui, deitado no divã, observando o teto de madeira velha. Meu coração bate calmo, meus pensamentos se recolhem.
         Deixo de lado essas distrações e me viro pra tradicional penumbra, de onde vejo a silhueta de um homem perdido em pensamentos, tentando focar na minha existência, mas imergido no próprio mundo interior. Me ajusto no divã, e o barulho da minha roupa ao tecido do divã o desperta. Ele arrasta a garganta como que emitindo um sinal pra que eu fale. Ele sabe que eu poderia falar de todos os pensamentos que me incomodam, mas como de costume, uso de assuntos aleatórios e ele finge prestar atenção e buscar sintomas de algum distúrbio pra fazer um diagnóstico barato.
         -Hoje tive um pensamento engraçado, me vi diante de tudo que eu já havia vivido e apreciado, observei com precisão de detalhes o mundo exterior a mim. Me deliciei de pecados genéricos. Tudo isso sempre fez muito sentido pra mim, mas hoje foi diferente, um pensamento surgiu como que um vírus, percebi sua existência, mas deixei pra lá. Alguns pensamentos depois o vi ali presente, participando, parecia agora ser íntimo de todos os outros pensamentos, e foi ganhando forma, por fim, tudo se parecia com este pensamento. Queria poder dizer que tipo de pensamento é este, mas não sei defini-lo. Ele deixou o espaço virtual e participo do universo físico, me causando a principio, sensações. Novamente ignorei.
         Me surpreendi ao ver que, além de obedecer as lógicas dos pensamentos, meu corpo parecia criar desejos únicos, carências de coisas inexistentes no plano racional. Busquei relações originárias. Parecia ser necessário entender o que era aquilo. Não identifiquei com nada relacionado ao meu passado, a coisas minhas. Mas descobri que nada disso vinha do meu passado, nem de mim mesmo. Era coisas do presente, e vinha de um outro sentimento que se comunicava com os meus, além de mim, outra pessoa vivia coisas parecidas. Enquanto tudo tendia a fazer sentido, decidi que nada havia de fazer sentido, e deixei por classificar esse sentimento como desconhecido, sujeito a rejeição. Talvez eu consiga ou talvez o alimente. Vivo de bilhões de medos. O amor incondicional por mim mesmo sempre me seduziu ao caminho da solidão, é o triste fim mais delicioso que se pode ter.
         Suspiro enquanto vejo ele se movimentar em sua velha cadeira de couro. Sinto que não fui compreendido, ele não dá sinais, decido não me preocupar com isso. Respiro fundo enquanto traço desenhos abstratos nas falhas do teto de madeira gasta. Enquanto me inebrio de todos os mais novos sentimentos e pensamentos.
Arnaldo Junior

Depoimento de um esquizofrênico: Auto-penitências

Há meses preso nesse ciclo, talvez não merecia tanta confiança dada pelo meu especialista... não consigo lidar com a pressão dessa vida, co...