segunda-feira, 15 de novembro de 2010

         Havia tempo que não me via aqui, deitado no divã, observando o teto de madeira velha. Meu coração bate calmo, meus pensamentos se recolhem.
         Deixo de lado essas distrações e me viro pra tradicional penumbra, de onde vejo a silhueta de um homem perdido em pensamentos, tentando focar na minha existência, mas imergido no próprio mundo interior. Me ajusto no divã, e o barulho da minha roupa ao tecido do divã o desperta. Ele arrasta a garganta como que emitindo um sinal pra que eu fale. Ele sabe que eu poderia falar de todos os pensamentos que me incomodam, mas como de costume, uso de assuntos aleatórios e ele finge prestar atenção e buscar sintomas de algum distúrbio pra fazer um diagnóstico barato.
         -Hoje tive um pensamento engraçado, me vi diante de tudo que eu já havia vivido e apreciado, observei com precisão de detalhes o mundo exterior a mim. Me deliciei de pecados genéricos. Tudo isso sempre fez muito sentido pra mim, mas hoje foi diferente, um pensamento surgiu como que um vírus, percebi sua existência, mas deixei pra lá. Alguns pensamentos depois o vi ali presente, participando, parecia agora ser íntimo de todos os outros pensamentos, e foi ganhando forma, por fim, tudo se parecia com este pensamento. Queria poder dizer que tipo de pensamento é este, mas não sei defini-lo. Ele deixou o espaço virtual e participo do universo físico, me causando a principio, sensações. Novamente ignorei.
         Me surpreendi ao ver que, além de obedecer as lógicas dos pensamentos, meu corpo parecia criar desejos únicos, carências de coisas inexistentes no plano racional. Busquei relações originárias. Parecia ser necessário entender o que era aquilo. Não identifiquei com nada relacionado ao meu passado, a coisas minhas. Mas descobri que nada disso vinha do meu passado, nem de mim mesmo. Era coisas do presente, e vinha de um outro sentimento que se comunicava com os meus, além de mim, outra pessoa vivia coisas parecidas. Enquanto tudo tendia a fazer sentido, decidi que nada havia de fazer sentido, e deixei por classificar esse sentimento como desconhecido, sujeito a rejeição. Talvez eu consiga ou talvez o alimente. Vivo de bilhões de medos. O amor incondicional por mim mesmo sempre me seduziu ao caminho da solidão, é o triste fim mais delicioso que se pode ter.
         Suspiro enquanto vejo ele se movimentar em sua velha cadeira de couro. Sinto que não fui compreendido, ele não dá sinais, decido não me preocupar com isso. Respiro fundo enquanto traço desenhos abstratos nas falhas do teto de madeira gasta. Enquanto me inebrio de todos os mais novos sentimentos e pensamentos.
Arnaldo Junior

Depoimento de um esquizofrênico: Auto-penitências

Há meses preso nesse ciclo, talvez não merecia tanta confiança dada pelo meu especialista... não consigo lidar com a pressão dessa vida, co...