“É uma delicia a sensação insana do devaneio”, foi esse o ultimo comentário do meu cliente, ele se diz tão parecido comigo, em tantas coisas, não sei o quanto ele é incoerente com esse comentário, mas as vezes soa engraçado, ele está sentado no divã, parece se divertir em ficar calado, achando que posso ler seus pensamentos, imagino que ele fique brincando de pensar o que quiser enquanto eu o observo, pra ser sincero, eu não queria estar aqui, daria muita coisa pra não precisar disso, quanto mais o acompanho, mais me torno parecido com ele, e lhe dou razão, não sou muito de ficar contando historias de meus clientes, mas se já falei tanto, acho que já perdi minha ética profissional, pro inferno com tudo então, irei desabafar, pois não é justo estar sempre na condição de perfeitamente lúcido enquanto loucos descarregam suas aventuras e estrapolações psicológicas, também tenho as minhas, e, se está mesmo me ouvindo, vai estar na condição de meu psicólogo:
Não vou falar de mim, não tenho vida, alias, tenho, mas não tão significante quanto a sua, se estou dizendo isso aqui, é porque realmente não tenho nada, e se você está lendo, também não deve ter muito, mas o suficiente pra ser melhor que eu por estar lendo, e não relatando. Você está no poder agora, poderá me classificar como sempre fiz, poderá definir meu caráter, se quer saber não me importo. Não falar de mim é dizer que estou sentado aqui, em uma poltrona de coro reclinada, agradavelmente gelada devido o ar, uma sensação estranha de fome, não me lembro se almocei hoje, ou a quanto tempo não como nada, meu cliente se mexeu, uma solicitação involuntária de querer atenção, se ele veio aqui pra ter minha agradável atenção enquanto ele espera por isso, veio no dia errado. Escolhi um canto escuro da sala, assim limita minha evidenciação de expressões, me agrado por não ser descoberto em caretas ou sorrisos nas mudanças inesperadas de alguns clientes, ou quando os trato com desdém, é ótimo vê-los desabafar e lembrar da minha ultima trepada, do ultimo cigarro, do ultimo baseado, do ultimo livro, da ultima conversa informal, do ultimo surto de ódio, ou amor. Hoje tudo isso são rabiscos breves em minha mente, principalmente hoje.
São algumas horas da tarde, não sei a quanto tempo estou aqui, procuro não marcar muitos horários, ou preocupar-me com eles, não recebo por tempo de atendimento, mas quanto menos por dia, melhor. Esse cliente é o meu melhor, ele costuma ter problemas muito fortes, se classificando como portador de esquizofrenia, dizendo que isso esteja tornando-o um pouco possessivo quanto algumas peculiaridades de sua vida, paranóico às vezes. Também se classifica portador da síndrome da Bi Polaridade de humor, essa auto classificação eu achei muito engraçada, a primeira tem muito a ver, mas essa segunda me tira risadas (mentais) toda vez que o escuto dizer, ele conta o quanto perdeu de si próprio dentro desses surtos, as vezes fala de amor próprio, de luxúria, projetos de vida, e mais algumas outras auto classificações variavelmente precisas em suas aplicações.
Hoje ele me contou sobre tantas coisas, é incrível como o quanto me envolvo com suas histórias, contou sobre ódio, sobre joguinhos psicológicos de coisas sérias, algo girando em torno de vidas e mordes, amores e ódios, soou engraçado, mas não o classifico como portador de tais práticas de idéias, acho-o louco, mas também tem seus limites, já tive outros clientes, muito superficiais, mas já tive, não sei a quanto tempo não tenho novos clientes, hoje só me lembro desse, enfim, dividi com ele uma brincadeira psicológica, enquanto ele falava, imaginava, confesso: me vi nervoso e tenso, sem falar da adrenalina. Tenho que parar de me envolver tanto.
Quero dizer algo que nunca disse, algo que sempre me assustei, hoje sou um psicólogo fracassado, já fui louco um dia, hoje controlo isso, já tive meus devaneios também, engraçado dizer que foram muito similares desse meu cliente, hoje sou muito diferente, mas ele é muito persistente em dizer o quanto somos parecidos, na faculdade de Psicologia aprendi que ninguém muda, deixamos dentro da gente nossas características boas e ruins, e utilizamos com mais vontade as que temos maior interesse, seja por vontade ou necessidade, talvez tenha tudo que fui um dia dentro de mim, estudei psicologia por uma curiosidade inconsciente de pelo menos me entender, não sei como me livrei dos meus surtos. No mundo talvez ele não consiga encontrar alguém tão familiarizado com seus problemas, também menos capaz de ajudá-lo.
Ter esse tipo de ocupação é esperar o fim, sem esposas, sem filhos, sem amigos assíduos, sem vínculos ou vícios pra pelo menos ter algum prazer por alguma coisa. Não quero dar a ele a solução disso e poder se tornar um vegetal como me tornei, talvez eu tivesse sito mais feliz no ritmo que eu ia, talvez ele se torne um homem feliz, tenho esperanças nele, não quero deixar esse mundo antes de ver meu hamster e suas evoluções.
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
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